Você está visualizando atualmente Tereza de Benguela

Tereza de Benguela

Tereza de Benguela – Guerreira, líder quilombola e Heroína da Pátria.

No dia 25 de julho é celebrado o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, desde 2014. A data é a mesma do Dia da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha, criado em 1992. Tereza tem sua origem incerta. Alguns registros portugueses se referem a ela como uma africana de Angola, embarcada no porto de Benguela. Contudo os historiadores não são unânimes e outros afirmam que ela nasceu no Brasil mesmo. Não há também sequer uma data aproximada de seu nascimento. O que se tem conhecimento é que Tereza de Benguela viveu durante o século XVIII no Vale do Guaporé, no Mato Grosso. Hoje é o município de Vila Bela da Santíssima Trindade, em Cuiabá, já quase na divisa com a Bolívia.

“Rainha Tereza”, como ficou conhecida em seu tempo, liderou o Quilombo de Quariterê após a morte de seu companheiro, José Piolho, morto por soldados. Segundo documentos da época, o lugar abrigava mais de 100 pessoas, com aproximadamente 79 negros e 30 índios. O maior quilombo do Mato Grosso, que resistiu às ações de bandeirantes de 1730 a 1795, quando o espaço foi atacado e destruído, a mando da capitania regional.

[ Visite a nossa loja Estrela Preta com estampas de grandes personalidades negras.] 

O Quilombo do Quariterê fundado pelo líder negro José Piolho, seu marido. Na gestão Piolho, o quilombo tinha uma dinâmica parecida com a de outros núcleos de resistência de negros fugidos da escravidão: agricultura de subsistência com pequenas trocas com comunidades vizinhas e um sistema de defesa simples, que apenas respondia a ataques pontuais, mais baseado na força física da capoeira do que em estratégia e armas. Por lá, viviam negros que escaparam do trabalho forçado nas minas de ouro e pedras preciosas recém-descobertas na área – uma outra corrida do ouro brasileira, menos lembrada que a de Minas. Segundo matéria do site Aventuras na História, a população chegou a 300 pessoas, incluindo também índios e mestiços. Em sua primeira década, enquanto o governo não conhecia sua localização, o esquema tradicional foi suficiente para a comunidade resistir. “A Amazônia proporcionou condições para a existência dos quilombos, dificultando, inclusive, a retaliação por parte do sistema escravista”, explica o professor da Universidade Estadual do Maranhão e pesquisador da questão dos quilombos no Brasil, Emmanuel de Almeida Farias Júnior. Nessa região de fronteira, ele lembra, os escravos fugidos podiam também se refugiar no lado espanhol. 

Por volta de 1750 José Piolho morreu. Teresa, a rainha viúva, assume seu lugar. Não só uma mudança de monarca como de regime de governo. O aumento da exploração mineral na região eleva o fluxo de negros escravizados – e fugitivos – na área, algo que chama a atenção da Coroa. O cerco português se intensifica. A fórmula que até então funcionava deixa de ser suficiente. Muitos fogem para os domínios espanhóis. Para quem fica, há sérias mudanças. 

O quilombo, território de difícil acesso, foi o ambiente perfeito para Tereza coordenar um forte aparato de defesa com armas adquiridas a partir de trocas ou levadas como espólio após conflitos. Em sua gestão criou uma espécie de parlamento para decidir em grupo as ações da comunidade, que vivia do cultivo de algodão, milho, feijão, mandioca, banana, e da venda dos excedentes produzidos.

A principal fonte documental sobre como era a vida no Quariterê é o Anal de Vila Bela de 1770. De acordo com o documento, a rainha Teresa havia sido escravizada pelo capitão Timóteo Pereira Gomes e reinava soberana no quilombo com firmeza e rigor. Lá foi registrado:

“Governava esse quilombo a modo de parlamento, tendo para o conselho uma casa destinada, para a qual, em dias assinalados de todas as semanas, entravam os deputados, sendo o de maior autoridade, tido por conselheiro, José Piolho (…). Isso faziam, tanto que eram chamados pela rainha, que era a que presidia e que naquele negral Senado se assentava, e se executavam à risca, sem apelação nem agravo” (Anal de Vila Bela do ano de 1770).

Esse aspecto “democrático” vinha acompanhado de brutal disciplina. Uma necessidade para manter a comunidade a salvo, conforme afirma a doutora em antropologia e especialista em populações indígenas e quilombolas Edir Pina de Barros, no artigo Quilombos: Resistência Negra em Mato Grosso. Em seu artigo, Edir Pina afirma que a fartura do Quariterê contrastava com a escassez que reinava na época em Vila Bela e nas minas de Mato Grosso: “Tal abundância relacionava-se à forma de apropriação da terra (pelo trabalho), disponibilidade de mão de obra e, sobretudo, trabalho cooperativo e solidariedade social”.

Apesar de todos os esforços, Quariterê seria conquistado em 1770. A posição do quilombo o tornava um alvo particularmente crucial para o governo português. A fuga de escravizados e a formação de quilombos preocupavam os administradores coloniais de Vila Bela. Em 27 de junho partiu uma companhia especificamente montada para atacar o quilombo. Além dos mortos, um total de 79 negros e 30 indígenas foram capturados e levados para Vila Bela. Lá, após sofrerem humilhação pública, foram marcados a ferro com a letra F (de “fujão”) e devolvidos para os seus proprietários, como determinava a lei de então. Entre os capturados estava Teresa.

Sua morte também é envolta de mistério. Uma versão diz que ante a destruição do quilombo que liderava, a rainha se suicidou por volta de 1770 , e outra afirma que Tereza foi assassinada e teve a cabeça exposta no centro do Quilombo. Há também o que descreve o documento colonial Anal de Vila Bela.  “Posta aí em prisão, à vista de todos aqueles a quem governou naquele reino, lhe diziam estes palavras injuriosas, de forma que, envergonhada, se pôs muda ou, para melhor dizer, amuada. Em poucos dias expirou de pasmo. Morta ela, se lhe cortou a cabeça e se pôs no meio da praça daquele quilombo, em um alto poste, onde ficou para memória e exemplo dos que a vissem.”

O que se tem conhecimento é que alguns quilombolas conseguiram fugir depois do ataque dos bandeirantes e restituir o espaço, que foi novamente vítima de ação da capitania do Mato Grosso em 1777 e dizimado de maneira definitiva em 1795.

Mesmo sem a Rainha Tereza e o Quilombo do Quariterê, a história é muito presente no imaginário da região, onde a oralidade garante a permanência do mito de Tereza de Benguela. Durante muitos anos a história de vida incrível dessa uma mulher negra, guerreira e rainha ficou esquecida para grande parte do povo brasileiro. Mas hoje, felizmente, a memória de Tereza e toda força que ela emana tem a potência de empoderar e ser o orgulho para muitas gerações.

(*Embora o nosso texto seja elaborado a partir de referências e fontes explicitadas abaixo, alertamos que poderá conter simplificações a fim de resumir narrativas e adequar ao espaço proposto pelo blog. Att.: Black Blog/Estrela Preta)

 

Fontes

Tereza de Benguela, a liderança negra brasileira. Alma preta. Disponível em < https://bit.ly/3a2f8Hg >                                               
Tereza de Benguela: a heróica rainha do Quariterê. Aventura na História. Disponível em <https://bit.ly/3cbrAXG >   

Use Estrela Preta!